A liberdade é coisa estranha…
Ali, no pequeno largo de onde partia a rua tão conhecida, no esconderijo de toca do pequeno banco de pedra sob o qual me agachava, encolhendo-me aos arrepios da humidade e dos sustos da noite, deixava que o eco daquelas palavras, ouvidas poucos dias antes, me preenchesse por dentro, como um mote silencioso e meditativo.
(…) Os outros, que eu não podia ver porque não me atrevia a espreitar, esperavam também, numa ansiedade oposta à minha. Ao fim de um tempo que não saberia medir, a escuridão silenciosa daquela hora tardia foi subitamente rasgada por um arrastar de passos vindo do extremo oposto da rua, calçada abaixo: alguém se aproximava.
(…) Nunca me sentira tão livre! Saíra de casa quase furtivamente, sem grandes explicações, percorrera sítios que mal conhecia, participara em conspirações dignas de romances de aventuras e acabara por meter por caminhos cuja frequência me era desaconselhada, tudo para acabar oculto ali, debaixo daquele banco de pedra, no largo próximo da oficina por onde sempre deambulara na inocência do dia claro.
(…) «E se tudo o que estamos a fazer for, afinal, errado?» Olhando o vulto daquele homem abandonado, tentei afastar da mente a pergunta repetida, insistente, polifónica. Combati-a com o único antídoto de que podia lançar mão, a resposta ensaiada para o caso de ser apanhado em qualquer momento da operação, ou mesmo depois de terminá-la: «Não me façam mal, eu não sei nada. Sou apenas uma criança…»
In Prólogo Coisa Estranha a Liberdade
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